pra refletir
Olá, querido leitor, ou curioso,
Este espaço é feito de memória, de textos de livros que li, de coisas que vi e vivi ou não, mas que me fizeram pensar. Um pot-pourri das minhas leituras e coisas que me marcaram e marcam ainda. E claro, nem tudo que pensamos pode ser compartilhado, mas tem coisas boas que não precisam ficar guardadas numa gaveta ou neste caso num celular perdido na multidão, então taí...pra pensarmos juntos.
PS.: a foto que acompanha é do Pensador de Rodin, um escultor francês, aqui faço um adendo porque informação compartilhada nunca é demais...
"O pensador era inicialmente um ser de corpo torturado, quase um condenado, e um homem de espírito livre, decidido a transcender seu sofrimento através da poesia."
" Esta imagem de um homem mergulhado em suas reflexões, mas cujo corpo poderoso/ robusto sugere uma grande capacidade de agir, de ação... é uma das esculturas mais conhecidas no mundo." (em tradução livre do site do musée rodin). Isso sugere que pensadores não são apenas intelectuais perdidos em suas reflexões, mas seres capazes de agir.
curiosidade pra mim mesma: um pot-pourri pode ser tanto uma mistura musical de cópias, refrãos de canções, quanto uma mistureba, uma produção literária formada de vários trechos.
"Todo mundo queixa da própria memória, mas ninguém se queixa do próprio julgamento."
La Rochefoucauld
É inegável que raramente nos confrontamos com a maneira como julgamos nossas experiências, nossas vivências interiores, os outros e o mundo ao nosso redor, assim como os nossos preconceitos, muitas vezes não reconhecidos. Por que, então, esse exercício se revela tão difícil? Refletir sobre a forma como interpretamos o mundo, tanto em seu aspecto interno quanto externo, as pessoas que o habitam, suas ações e inações revela-se complicado na maior parte do tempo.
Possivelmente, a complexidade desse exercício está vinculada à nossa autoestima. Apesar de a queixa comum ser relacionada à "baixa autoestima", lamentar-se sobre como nós mesmos enxergamos o mundo - por vezes de forma persecutória, ameaçadora, intimidadora, entre outras nuances - exige uma certa distância entre o que valorizamos em nós mesmos (nossa autoestima) e a dificuldade em reconhecer a possibilidade de equívocos sobre nós mesmos e os outros. Em última análise, trata-se de um exercício de auto-crítica que nem sempre estamos dispostos a empreender.
E voilà, um pequeno trecho de Anne Dufourmantelle, filósofa e psicanalista que me acompanhou (através de seus livros) em momentos tão decisivos da vida.
"Ser doce com as coisas e os seres é compreendê-los em sua insuficiência, em sua precariedade, sua imaturidade, em sua idiotice. É não querer acrescentar ao sofrimento, à exclusão, à crueldade e inventar um espaço de uma humanidade sensível de relação ao outro que aceita a fraqueza ou aquilo que pode decepcionar em si."
Não é fácil manter a doçura quando se sofre, mas é sempre bom lembrar que ela faz toda a diferença na vida. Tenho certeza de que cada um se lembra de alguém que foi um dia exemplo de doçura conosco e que marcou a nossa vida pelo simples fato de nos tratar com essa "tal" humanidade. Nada mais reconfortante do que um sorriso mesmo que provenha de um desconhecido, nada mais acolhedor do que um olhar que nos reconhece e que destaca a nossa existência e que isso venha, às vezes, de onde menos esperamos.
Reflexões matinais
Hoje pela manhã eu conversava com meu marido sobre duas pessoas que encontrei e que me fizeram pensar em como podemos desperdiçar a vida e finalmente, de como vivemos como se a vida fosse durar eternamente. A primeira delas foi uma costureira onde levei minha mãe para consertar um vestido. Conversa vai, conversa vem, ela nos conta que ficou viúva há mais de 40 anos, que mora sozinha. Eu perguntei, ingenuamente, se ela não havia se casado de novo, ao que ela respondeu que não se casou porque o filho não queria que ela se casasse. Perguntei se ela teve namorados depois de ficar viúva, ela disse que sim e novamente falou que podia namorar mas não casar.
Outra história que ouvi recentemente, de uma amiga que está um pouco acima do peso, descontente com o próprio corpo. Casada com um médico (alguém supostamente bem instruído), ela diz que chega a esconder do marido que vai aos médicos para tentar emagrecer. Achei, no mínimo, esquisito, e triste. A isso se junta o fato de que nem sair com as amigas, de vez em quando, ela pode, pois ele não gosta.
Dois casos que não são clínicos, mas que mostram a que ponto deixamos um outro decidir o que é melhor pra gente enquanto mulher. Duas pessoas que consentem (as hipóteses poderiam ser infinitas sobre o porquê dessa "desescolha" - licença poética) em o "ele não quer", ou o "ele não deixa".
Quanto tempo perdemos na vida com isso. Sim, é difícil decidir, é difícil construir um caminho por si mesma, o “fazer escolhas” do qual tanto se fala hoje em dia implica uma responsabilidade enorme com a própria vida e tem o seu peso.
Mas a questão é: qual o preço pagamos por não decidir, por deixar um outro nos guiar e, às vezes, nos forçar a algo que não queremos porque não se tem a coragem de se perguntar sobre o que queremos?
***
Também falávamos de como o dia da mulher se transforma realmente num grande salão de consumo desenfreado, tudo se torna evento e oportunidade para consumir, males do capitalismo. Sem nos darmos conta estamos consumindo ou sendo incitadas a comprar, pensar na beleza, na aparência, na idade e etc.
Houve controvérsias nessa pequena discussão matino-filosófica supostamente crítica. Claro, eu enquanto mulher disse: é claro que queremos consumir. Sim, ganhamos enquanto mulheres muitas batalhas, mas ainda há luta e essa deveria ser compartilhada com todos.
Fato é que além de sermos cobradas a ser ótimas profissionais, ter um bom trabalho, ser independente, autônoma e etc, somos também cobradas a ser boa mãe (quando é o caso), ficar lindas, gostosas, de preferência magras, e jovens. Sim, o consumo feminino, em geral, serve a isso a esse ideal que é masculino e que se torna nosso também.
Queremos ainda seduzir, e não importa a nossa idade, tamanho, orientação sexual, queremos ser desejadas e amadas principalmente. E não importa onde você esteja, nem de onde você venha, em qual classe social se encontra, queremos ser amadas. Aqui ou mesmo em outros países a demanda e a cobrança são as mesmas: sejam super mulheres. Faça academia, estude, se forme, seja uma boa profissional, tenha o seu dinheiro, sua independência, e continue bonita, fazendo a comida todos os dias, organizando e pensando na casa e claro, seja desejável, jamais desagradável ou vulgar. As cobranças são infinitas.
Bom, claro que consentimos nessas imposições sociais. Queremos isso e ainda ter prazer, queremos ser valorizadas sem que isso espante os homens.
Tanta reflexão pra fazer que poderia ficar horas e horas aqui escrevendo, mas se já estou cansada, imagine você que me lê.
Claro que algumas de nós consegue se livrar disso ou se não conseguem, conseguem ao menos aceitar criticamente o que se quer. Um pouco de reflexão não faz mal a ninguém. Ainda que seja duro e requeira trabalho.
PS.: livros que me inspiram e que de algum jeito me levam a pensar sobre mim, enquanto mulher que sou.
"Quando era criança, o luxo era para mim os casacos de pele, os vestidos longos e as cidades à beira-mar. Mais tarde, acreditei que era levar uma vida intelectual. Me parece agora que o luxo é também poder viver uma paixão por um homem ou uma mulher."
Annie Ernaux - Passion simple
"Ser amada parece uma posição passiva, mas se fazer amada revela a atividade subjacente a essa posição. Há todo um empenho feminino em se fazer amar."
Amor, paixão feminina - Malvine Zalcberg